A Breve História de um Cordaro
Você pode andar ao redor de toda a cidade de Salle em mais ou menos dez minutos. Pode cruzá-la em cinco. Esta pequena vila se localiza em um vale entre o monte Maiella ao leste, e o monte Morrone ao sul, na província italiana de Pescara. Há apenas um comércio nas localidades, um pequeno bar onde você será convidado a se sentar sob uma luz perfeita, acompanhado de alguns moradores da cidade, que irão contar histórias folclóricas e tradições locais.
No centro da cidade, a igreja, onde se encontram os registros mais antigos da cidade. Um destes documentos marca o nascimento de uma criança; um formulário de batismo assinado por Donato D’Addario em 1680, cuja ocupação constava simplesmente cordaro, palavra italiana que denomina o artesão que fabrica cordas para instrumentos musicais.
Os D’Addario, além de fazendeiros, eram também fabricantes de cordas. Ambas as atividades envolviam o conhecimento da terra e dos animais locais, pois antes da introdução dos materias sintéticos, as cordas para violões, harpas, violinos e outros instrumentos eram manufaturadas com tripa de ovelha e de porco. O processo envolvia muitas fases. Era longo e penoso.
Primeira fase
A família D’Addario permaneceu nesta vila, trabalhando neste ramo por muitos anos, até que um terremoto em 1905 levou-os a cogitar a hipótese de deixar a região. Salle foi seriamente prejudicada com o desastre e muitos acreditavam que não seria possível reconstruir suas casas, e talvez a própria cidade. Foi então que os irmãos Rocco e Charles (ou Carmine) D’Addario recolheram seus pertences e imigraram para Astoria, Queens, Nova Yorque. O pai de Charles, Giovanni, permaneceu em Salle manufaturando as cordas que Rocco e Charles iriam importar, num esforço para obter recursos em prol da reconstrução de sua cidade natal.
Charles e Rocco encontraram em Astoria um pouco de conforto. Eles estavam cercados por outros imigrantes de Salle, que haviam deixado sua cidade com os mesmos sonhos e esperanças. Trouxeram consigo os costumes, a culinária de Salle e a tradição da fabricação de cordas, que iria encontrar seu lugar definitivo nos EUA. Entretanto, em pouco tempo Charles ficaria sem a companhia de seu irmão, Rocco. A saudade de casa era muita para que eles permanecessem nos Estados Unidos. Quando ambos voltaram para uma visita em Salle, Charles retorna casado, mas sem seu parceiro de negócios, que preferiu ficar na Itália.
Apreciando cada vez mais seu novo lar, a família de Charles, assim como seus negócios, crescem. Em 1918, Charles iniciaria a fabricação de suas cordas nos Estados Unidos, numa pequena loja de garagem ao lado de sua casa, em Astoria. Como era um negócio de família, a maioria dos familiares aprendeu o ofício e foi trabalhar na loja, exercendo todas as tarefas necessárias. Até as crianças trabalhavam nos períodos mais agitados, etiquetando, empacotando e separando as cordas. Charles mostrava pessoalmente o produto para violinistas e outros músicos, e freqüentemente viajava para demonstrações. Era obcecado por qualidade e sempre pedia conselhos e opiniões para os grandes músicos da época, com o intuito de aperfeiçoar e aprimorar sua produção.
Uma nova era
A partir de 1936, desconsiderando apenas o tempo em que serviu na Segunda Guerra Mundial, John D’Addario Sr., filho mais novo de Charles e sua esposa, Annas, passaria a trabalhar ao lado de seu pai. Naquela época, a empresa era denominada C. D’Addario & Son, e foi o interesse de John pela alternativa sintética à pouco confiável e complicada tripa de animal, que um grande passo seria dado no empreendimento de cordas. A Guerra trouxe diversos avanços tecnológicos, e nessa ocasião Dupont desenvolveu o primeiro monofilamento de náilon para escovas de cabelo e de dente. Em 1947, Dupont enviou uma amostra do produto para a loja D’Addario, levando Charles e John a iniciar imediatamente um trabalho com o material, e a constatar que o diâmetro do náilon era perfeito para cordas agudas de harpa.
Como sua tradição crescia, Charles consultou um amigo, o famoso harpista Carlos Salzedo, para saber sua opinião sobre a nova alternativa sintética. Salzedo encorajou-os a continuar a pesquisa, e então os D’Addario desenvolveram métodos para utilizar este material na fabricação de cordas para diversos instrumentos. John Sr. foi responsável pelo desenvolvimento de um método para polir o náilon, que viria a permitir a redução do seu diâmetro, tornando-o útil para uma enorme variedade de instrumentos, dentre os quais, o violão clássico.
John Sr. foi muito estimulado pela recente e crescente popularidade da guitarra elétrica, que entrou em alta desde 1930 através de bandas e orquestras como a The Glen Miller Orchestra e Tommy Dorsey , e depois com Elvis Presley e The Beatles .
John Sr. estava ansioso para incluir este instrumento-fenômeno na produção de cordas, mas Charles estava relutante no que se referia à expansão dos negócios da família. Porém, em 1956, com a benção de seu pai, John Sr. entrou em uma sociedade para produzir cordas de aço para guitarras e baixos. A nova companhia seria denominada Archaic Musical String Manufacturing Co . e seria conduzida por John DAddario Sr., Albert Morante e seu irmão Gino Burelli.
Por algum tempo as duas companhias, C. D’Addario & Son e Archaic Musical String Mfg Co., operariam separadamente, com a Archaic fabricando cordas para companhias como Gretsch, D’Angelico, Martin, e Guild, assim como C. DAddario & Son. Quando Charles se aposentou em 1962, John Sr. decidiu unir as duas companhias com um novo nome, Darco Music Strings, Inc. Naquela época, a guitarra elétrica era o instrumento mais popular do país, e seu impacto no mundo foi indiscutível.
Além da Darco
A Darco cresceu rapidamente graças às inovações de John D’Addario Sr. A companhia passou a liderar a indústria com o primeiro maquinário automatizado para a fabricação de cordas, com as primeiras cordas round wound para baixo elétrico , e muitas outras inovações que continuam sendo utilizadas por fabricantes ao redor do mundo.
O final dos anos 60 trouxe uma nova geração dos D’Addario para o negócio da família, sendo John D’Addario Jr. o primeiro deles. Não era nem um pouco estranho aos cinco filhos de John D’Addario Sr.,o ramo das cordas. Assim como as gerações anteriores, eles também ajudaram no trabalho, inclusive quando eram ainda crianças.
Os anos passaram e John Sr. viu seus filhos crescerem, assim como o interesse deles pelos negócios da família. Desde adolescente, John Jr. vinha demonstrando grande interesse pelo ramo. Ele observou e aprendeu não só como fabricar cordas mas também como negociar com fornecedores e revendedores. Desenvolveu muita habilidade para negócios e vendas. Seu tino comercial contribuiu decisivamente para manter a estabilidade financeira da empresa.
O irmão mais novo de John Jr., James, era um talentoso guitarrista com um corte de cabelo estilo Beatles e uma forte tendência e habilidade para explorar aparelhos eletrônicos. Acabou naturalmente por se tornar responsável por muitas obras de engenharia que iriam automatizar o processo de fabricação, tornando-o mais produtivo. James entrou para a Darco em 1969, enquanto ainda cursava o colégio. Trabalhou como vendedor e diretor de marketing da empresa, enquanto coordenava o departamento gráfico. John Jr. e James queriam que a empresa se tornasse o mais autônoma possível, e eliminar a necessidade de uma gráfica externa constituiu um passo na direção certa.
Sob a sempre presente experiência e conhecimento de seu pai, John Jr. e James trariam o sucesso para Darco. Enquanto a empresa crescia mais e mais, os D’Addario eram eventualmente convidados pelo fabricantes de violões C.F. Martin & Co., Inc. para juntar fundos e compartilhar dos esforços pelo desenvolvimento da empresa. As duas empresas se uniram afinal, e depois de alguns anos produtivos, os D’Addario decidiram que era hora de se separar da Martin para ter seu próprio produto sob o nome que permanece até hoje, J. D’Addario & Company, Inc. Após oito gerações, as primeiras cordas ostentando a marca D’Addario foram introduzidas no mercado. O ano foi 1974.
Um novo começo: J. D’Addario & Company, Inc.
A primeira fábrica da J. Daddario foi em Lynbrook, Nova Yorque, e a equipe inicial era composta por apenas cinco empregados. Como sempre, era uma operação em família, com John Sr., John Jr. e James coordenando o crescimento da empresa e os planos de negócios. A esposa de James, Janet, ajudou a criar a embalagem, iniciando um trabalho que se tornaria futuramente o departamento de arte da empresa. A unidade gráfica da empresa era de grande valia, fornecendo uma fonte de renda constante enquanto a família desenvolvia sua linha de cordas de qualidade superior. A reputação da D’Addario pelo serviço e qualidade mostrou-se sólida no momento em que a empresa colocou no mercado seus próprios produtos . Estratégias agressivas de marketing ajudaram o produto a ganhar popularidade, e a equipe de cinco logo pulou para quinze integrantes.
John Jr. e James pretendiam expandir a linha de produtos. John Sr., cauteloso no que se referia ao crescimento, reconheceu aquilo como sinal de que ele deveria se aposentar, assim como seu pai tinha feito, e deixar seus competentes filhos cuidarem do reino. No início dos anos 80 a D’Addario complementa sua bem sucedida linha de cordas para instrumentos de traste, adquirindo a Kaplan Musical String Company, uma manufatura de cordas para instrumentos clássicos.
Os irmãos embarcaram em um rigoroso projeto de pesquisa e desenvolvimento. Eles criaram uma renomada linha de produtos nesta área, consolidando a D’Addario como a primeira manufatura de cordas para instrumentos de arco. As cordas D’Addario para guitarra e baixo já eram um grande sucesso. A linha continuava ganhando em popularidade e garantia uma grande parcela do mercado.
Em 1984, a empresa muda para um edifício maior, buscando suprir a crescente demanda pelo produto, e a equipe de produção saltou para cento e cinqüenta empregados. E esta não seria a última vez que a empresa se encontraria no limite do espaço de seus estabelecimentos. As operações vinham crescendo em diversas ocasiões, até atingir a sua maior expansão em 1994, quando a empresa mudou para um novo edifício em Farmingdale. Hoje, a J. D’Addario & Company, Inc. emprega mais de 900 funcionários, cada um deles trazendo uma grande contribuição para o que vinha sendo por gerações, um negócio de família. Um centro de distribuição na Califórnia é encarregado das remessas para o oeste, a Rico – também na Califórnia – produz as palhetas top do mercado mundial, escritórios em Chicago, Los Angeles, Austraila, Japão, França e Hong Kong atendem músicos e clientes do mundo todo. A D’Addario Canadá é o terceiro centro de distribuição, fornecendo produtos J. D’Addario para os consumidores canadenses.
As pesquisas e desenvolvimentos proporcionados pela D’Addario são algumas de suas maiores qualidades. Liderado por James, o departamento de engenharia tem acumulado muitas e importantes patentes de manufatura e de produtos. A empresa se orgulha de identificar falhas na produção e de solucioná-las criativamente. Isto inclui o trabalho feito com suas mais recentes aquisições, como a Evans Drumheads (1995), a Planet Waves, uma linha de acessórios (1998), a HQ Practice Products, produtos para baterias (2004), e a mais recente, a Rico Reeds (2004).
Família, Sucesso e o Futuro
A teoria de manter sempre que possível “as coisas em casa” foi muito útil à família D’Addario. A empresa possui hoje um tremendo parque gráfico, que divide o edifício do outro lado da rua com a Evans Drumheads, em Farmingdale, em frente à fábrica principal. A maior parte do trabalho de marketing, do design de embalagens e de impressão de propaganda e publicidade são concebidos e executados por um departamento próprio de marketing e criação, o que trouxe à empresa um melhor custo-benefício e muitas campanhas bem sucedidas.
Mas o ilimitado sucesso da D’Addario em parte também se deve ao seus representantes e distribuidores em todo o mundo. A empresa comercializa seus produtos nos EUA através de distribuidores atacadistas, e no varejo para mais de 5400 lojas de música. Além disso, a exportação dos produtos é feita por 120 distribuidores em 101 países.
Quando James D’Addario levou seu pai, John Sr., sua mãe Mary, sua própria esposa e seus três filhos para visitar a cidade de Salle, em 1996, não poderia imaginar a recepção calorosa que os aguardava. Houve um desfile através da cidade, uma festa na casa do prefeito e as chaves da cidade foram entregues à família D’Addario. A cidade sorriu como um orgulhoso tatara-tatara-tatara-avô para o bem sucedido cordaro D’Addario que voltava à sua pequena aldeia.
John D’Addario Sr. faleceu em junho de 2002, rodeado por sua esposa, seus filhos e netos. Ele teve o privilégio de acompanhar os filhos progredirem para muito além de suas mais irrestritas expectativas, e estava muito orgulhoso disso. Hoje, 13 membros da família, netos e sobrinhos, trabalham para a J. D’Addario & Company, Inc., e grandes passos estão sendo dados por John Jr e James para transmitir a visão e tradição da família.
A maior tradição, e a única que ao menos seja digna de algum alarde, é a consideração da D’Addario pelos seus funcionários. A empresa que começou familiar, precisou do talento de muitas pessoas trabalhando em conjunto na busca do mesmo objetivo, para crescer. Isto torna importante preservar os valores da família enquanto se estimula o desenvolvimento da empresa. John Jr e James estão convencidos de que isso pode ser feito.
A D’Addario é distribuída com exclusividade pela Musical Express desde 2004.